sábado, 4 de junho de 2011

Há um ciclo de problemas! Este blogue é um caixote de incertezas. Nada como me refugiar na escrita para expressar aquilo que não consigo entender. Será que a escrita que me transmite algo que em pensamento não consigo entender?! Esta dúvida é caduca. Mas é delimitada por uma constatação de que ela deixa de ser hipótese, e passa a ganhar uma certa consistência - a Escrita tem propriedades próprias. A escrita é um registo interessante. Ainda que limitada por filtrar muito daquilo que é a emoção, e que é impossível de passar com os dedos, ela constitui-se como marco, que pode ser visto e revisto. Ainda que não tenha a capacidade de ser expressão total do sentido do escrevente, ela autonomiza-se do próprio pensamento, garantindo-se assim, sendo memória constituída e sentido de texto, que se vê alienado do próprio escritor.
Afinal, a escrita usa-me. Ela apodera-se do pensamento objectivado e a partir dele, faz o que bem entende. Já não sirvo para nada. Aquilo que acontece é que chego a surpreender-me com o que escrevo, e passado algum um tempo, o meu Eu é confrontado com o Eu da escrita. Por vezes o confronto é de tal modo arrebatador que o leitor ao ler-se entra num movimento de perplexidade e de inconsistência absoluta por duelo com o escrito. E quem sou eu afinal?! O escrito ou o meu Eu subjectivo, não objectivado pela escrita.
A noção de consistência absoluta do ser põe-se em causa. O Eu é atravessado todos os dias. Como pode permanecer igual?! Serei eu uma amostra de texto, ou antes o texto que me pode mostrar? Podia ser se eu chegasse ao fim e a mim dimensão teleológica estivesse obtida com uma noção de sentido ultimo fundamentada com o final da minha vida. "Combati um bom combate, terminei a minha carreira" seria a suma da produção textual, e poder-se-ia perguntar qual a utilidade de escrever antes, se o depois pode confirmar o diferente. As nossas bibliotecas de sentido certamente ficariam vazias se nos cingíssemos a uma noção de final e finalidade tentando propor como teleologia final, o fim da vida, onde um trabalho de auto-reflexão seria condição suficiente para a compreensão da totalidade da existência.
Continuo com uma ausência de resposta. Parece-me que a teleologia é importante enquanto construtora de luzes no final de túneis tumultuosos, mas falta construir esses túneis que são nada mais que estruturas rochosas que ao longo da nossa vida vão sendo moldadas com vista a essa noção final. Ainda assim, ficamos na duvida. Qual será a importância de constituir um final, quando tudo o que fizemos nada correspondeu a esse idealismo. E não haverão pessoas que são suficientemente consistentes na inconsistência e cuja vida não é mais que uma total mudança de direcção que as coloca numa direcção desnorteada, mas que não deixa de ser uma certa noção radical de caminho. Afinal, esta desarticulação narrativa, sem finalidade,poderia ser considerada numa visão radical de ódio aos indecisos ou aqueles que nunca sabem para onde vão, e se sequer é essa a sua vontade.
Que poderemos afirmar? O escrito é testamento teleológico e é um serviço diário! Ou é antes uma homilia bonita no final da vida, onde a santa unção redime o que se fez, e o que se não fez, e onde se procura mais uma vez a redenção como forma de encontrar um novo espaço?! A construção da vida é exercício diário?!Pelo sim pelo não escrevamos.

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