domingo, 7 de dezembro de 2008

Época de Prendas...

Pesquisando e pesquisando, e sentindo um profundo desagrado por estar numa falta de inspiração tremenda, fui-me conformando com a triste falta de imaginação deste dia, dia que foi de emoções fortes, mas que não me tinha desperto, realmente, aquela chama para a escrita, para esta capacidade extraordinária do homem se puder expressar por palavras.
Então, revendo a minha mente e o que nela vai passando, decidi focar-me sobre a época que se aproxima – a época das prendas, das crianças, das árvores decoradas – que sempre me emocionou e que vem sendo apelidada de Natal. Ó, o Natal!
Sem dúvida, aquela época que eu ansiava todo o ano, pensando na alegria das prendas, na alegria da família, na alegria das músicas. Sem dúvida – que chata repetição – uma ingenuidade interessante, tão interessante quanto a de Deus, que decide enviar o seu filho, e apelida esta data de Natal, não sabendo ele, que enviava sim, uma boa estratégia para a criação da época do ano mais capitalista que existe.
Que prazer: sacos e sacos, prendas e mais prendas. “O que falta ainda? Só falta para o António, para a Joana…” – e uma série de nomes se desenrola, para no fim de tudo, naquela noite de 24 para 25, termos, uma árvore de Natal cheia de presentes que tão cheiamente bela fica, apesar de os nossos sorrisos serem frequentemente uma falsa ilusão, ou melhor, uma pura sensação de adrenalina: “Que farei eu agora para no dia 31 de Janeiro ter os 3000 euros para dar à entidade credora?”. Sim, aquela entidade que se vende, sem sensualidade alguma, numa tentativa furtiva de convencer os mais ingénuos a empenharem a sua vida, para agradarem aos outros, naquela importante – “que deve ser bem celebrada” – consoada de Natal.
Ó que adrenalina! Que prazer, ver todos os embrulhos e sentir que nada está pago: que aquele relógio que ofereço ao António é propriedade da entidade credora.
Mas, que Natal é este? Um Natal – eis o nascer! Mas vejamos bem o que pretendemos, se é uma série de dividas e uma série de prendas hipotecáveis, ou talvez um Natal à nossa medida, com algum espírito de renovação, não do guarda-roupa, mas antes da alma – uma predisposição para a criação de uma vida melhor, que seja aquela gota oceânica que tende para a melhoria do mundo. Não querendo ser de forma alguma, uma corneta cristã, não consigo ver o mundo natalício – pelo menos na sua origem – numa visão cristã. O nascimento de Jesus Cristo como nascimento físico há dois mil anos, mas hoje, em cada Natal, como um nascimento espiritual, um tempo de reflexão que jubila, no nascimento a 25 de Dezembro, e mais um bendito dia das famílias.
Não querendo ser uma agoirante, refiro agora esse interessante lado do Natal: a Festa das Famílias. Aquele dia em que os familiares que já não se viam desde o Natal anterior, se reencontram e partilham o ano de experiências e reconstroem essa chama, inicialmente criada há dois mil anos pela mão de Jesus Cristo, cuja Estrela Cadente, corresponde a uma forma de ligação entre povos em torno daquele que nos criou, aquele que nos quer unidos, como fraternos irmãos, tendo essa predisposição para a liberdade, fazendo-o ou não.
O Natal pode ser assim, por um lado, essa altura fantástica do ano para a criação de um guarda roupa novo, de uma divida ao banco tremenda, mas pode ser, uma predisposição para a criação de um mundo melhor, para a confraternização familiar, havendo realemnte a liberdade para o fazer ou não. O Natal é sem duvida um nascimento, ironicamente me expressando, uma boa fonte de problemas. Mas pode ser esse tempo de reconciliação em busca da estrela cadente e da prenda de Natal que Deus nos quer dar todos os anos, a consciência, o discernimento, a família, o pensamento, a possibilidade de agirmos para um mundo melhor, em tantos sentidos, começando pelo contacto com a família, esquecendo, o lado mais capitalista do Natal, e aprofundando aquilo que é invisível aos olhos, mas extraordinariamente, importante, o alimento do coração, o Espírito de Deus, o Amor – essa gota oceânica que pode provocar uma reacção global!

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Tanta teoria e tão pouca atitude!!!

Tanta teoria e tão pouca atitude!!! Que revolta interior por ser tão inutil nesta sociedade que verdadeiramente precisa de pessoas como eu! Eu sei que consigo detectar os problemas! Mas porquê que não os consigo resolver! Tenh consciência absoluta de que consigo criticar duramente, mas infelizemnte, não consigo emendar aquilo que consigo criticar! Fico com a ideia de que sei falar muito e actuar pouco! Porquê?!?!?!

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Profunda/Leve Indignação

Fico perdidamente desagradado quando me sinto ultrajado, apesar do meu ultraje não ser um ultraje de morte. Mas fiquei muito triste, hoje, quando soube que uma pessoa que eu admirava imenso me apunhalou. Pode não ter sido uma grande facada, mas foi o suficiente para me colocar a pensar sobre a amizade dessa pessoa, que eu considerava na minha modesta opinião: uma "boa pessoa". Mas, quando soube que me tinham enganado e particularmente esta - já que outra pouco me interessa - pessoa, fiquei abalado e fiz questão de lhe comunicar que tinha achado uma reles atitude e que além disso tinha andado preocupado e com o peso na consciência e afinal venho a saber que não havia necessidade. Quando lhe contei, ainda me disse que tinham gozado com a minha preocupação. Realmente, que bom-senso tem esta gente, que comunica as coisas aos de fora e a mim não, e ainda por cima gozam com a minha preocupada atitude. Realmente!!! Por favor, fiquei mesmo desiludido. Com a pessoa de quem menos esperava esta atitude!

A Narração sobre Giovanni - pt.1

Era uma vez - um clássico começar de uma bela e secante história - um belo rapaz que contava histórias acerca de um menino muito bonito, estando inconscisentemente revelando-se a ele próprio e ao mundo que o rodeava. Esse rapaz era extraordiénrio: ele revelava os mais pequenos pormenores acerca do menino, conseguindo descrever os mais belos e perturbantes pormenores.
-Uma vez, o menino Giovani, ia a passear por entre montes e vales e começou através do auxilio de um conselhiro, a descobrir a sua verdadeira vocação. Ele sabia que era duro o caminho que teria de percorrer, mas seria bom ele estar preparado, pois o caminho que ele suponha ser o melhor poderia levá-lo à perdição.
Era lindo ouvir o belo rapaz a falar sobre o percurso que o menino ia tomando com o seu conselheiro. Eu que até então achava tudo aquilo uma farça, com tão belas descrições, ficava também entusiasmado e perguntava-me que final ia dar o rapaz à história do menino.
Não sei bem como conseguia ter acesso às histórias daquele menino, que me eram narradas por aquele belo rapaz. Ele, que com o seu cativante modo de falar prendia a atenção. Não só as descrições do menino eram lindas. Eram também extraordinárias as descrições feitas do conselheiro - um homem muito sábio, que no seu intimo tinha um profundo amor pelo mundo e pela alegria dos homens. Acreditava piamente na existência de Deus, que nos tinha oferecido a Terra como prenda por sermos uns tão belos seres racionais e que obviamnte, tinhamos de fazer algo para que esse mundo, fosse de algum modo melhorado, ou pelo menos que ficasse como essa criatura divina no-lo tinha oferecido.
Realmente, este mundo de tão belos montes, vales, mares, pessoas tinha de ser obra e "oferta", mas não gratuita, de uma entidade maravilhosamente inexplicável! Era tão belo constatar como o conselhiro falava de tudo isto com os seus belos olhos, dilatando o seu olhar com as descrições e pedidos que fazia ao Giovanni. Era uma pessoa realemnte consciente do seu papel no mundo e considerava que o seu Deus, merecia tudo e mais, de bom, que ele ia fazendo pelo mundo.

sábado, 12 de abril de 2008

Natalie Dessay - Glitter And Be Gay

O PIANO DO IGL - 12/04 - Spencer

Algures, perdida no branco e preto das teclas de um piano, estava uma moça, que através de uma bela melodia de falanges, me proporcionou algo que seria impossível se cantando o fizesse.
Imaginei aquele momento. Transformei-o num bolo. É que a sua gesticulação, em tudo aparentava estar a fazer um belo bolo. Ai que belo Rach. A moça, com os seus dedos pequenos ia fazendo no centro do piano a massa para o seu bolo. Ia pondo os ingrediente ao longo dos batimentos em volta da taça do Dó central. Quando lhe faltava um pouco de farinha, lá ia ela até aos baixos do seu piano, e daí tirava muitas pitadas - de sal, de farinha, uma clara de ovo - que iam compondo a bela receita que se iria revelar deliciosa.

A seguir após esta chuva de pitadas, a bela cozinheira de notas e de sons, pôs o seu bolo no forno - untou a forma e colocou-o a uma temperatura amena dentro do buraco dos calores. Então, esperou que cozesse e apostou num subtil jogo de espera, já que ansiava pelo momento em que pudesse provar a massa cozida, que resultaria numa mistura brutal de sabores e cheiros , sons e olhares. Então, ao longo da sua espera, ela foi-se desenrolando e quanto mais água na boca tinha mais gritava o seu som, até ao ponto em que abriu o forno e de lá tirou a sua obra. Queimou-se, e daí saiu um som terrível, de aflição e dor. Mas, que culminou com a prova suave do bolo após o desenformar. Comendo o seu mais que tudo, ela ia-se deliciando e ia bebendo o seu chá morno de camomila, tão morno como o seu sentimento final, muito mais calmo, numa busca da paz, de um sono bonito.
É, então, que após comer este bolo, ela vai descansar, e o seu acorde final, vai ser uma apoteose de alegria misturada com um sono tremendo num, sendo uma pura sesta numa quinta calma, numa bela tarde de Verão.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Surpresa Estilistica

Tenho vindo a surpreender-me com a estilização musical e com a consequente melhoria da qualidade musical. Assim, no último período tenho vindo a estudar duas peças que gradualmente me têm vindo a empolgar: uma de Diabelli, outra de Tschaikovsky. São, ambas, peças relativamente facéis, mas que me têm dado um certo gozo a tocar, pois tenho vindo a trabalhá-lhas numa perspectiva sentimental.
Mesmo na última audição de piano, toquei as peças de tal forma, que nem me enervei, e tentei ao máximo vivenciá-las. A peça de Tschaikovsky é muito simples, mas, dando-lhe um certo estilo, uma vivacidade à russa - como que uma bebedeira- pode-se ter maravilhas, e assim é, que mesmo na minha infantilidade musical,vou conseguir dar-lhe uma certa beleza. Vai ser um momento interesseante.
Acho sobretudo interessante a possibilidade de encarnar a música, dando uma certa vida, embora que muito influenciado pelo meu professor. Mas, apesar disso, vão saíndo bons frutos, que faraão de mim, gradualmente, um pequeno músico, nem que seja pela dimensão reduzida das minhas peças.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Passacaglia in C Minor-Fugue

'Concertato' Prelude from Prelude and Fugue in D BWV 532

Música!

Às vezes, entre a imensidão do mundo, sinto um vazio, uma certa aspereza de mim próprio para comigo próprio. Mas, em tantas outras, sinto-me feliz, e todo o meu ser se envolve e fica prosterado perante a bela-arte, a música, a unificador do mundo, a compreensivel, mas também, tão complexa...
Gosto de sentir a vibração das teclas do piano, os movimentos imaginários do pianista, os seus sentimentos, a alegria que deve sentir em puder pôr outras pessoas a vibrarem, extaseadas com a sua brutalidade bela e capacidade de trasnpôr emoções, e apenas com os dedos! Do memso modo, também eu vou tentando dar o meu lado emotivo através de belças frases que tentem captar do outro, uma atenção fantástica, que faz todo o meu ser vibrar.
É fantástico ver como uma arte tão abstracta como a música consegue envolver as pessoas, pelo menos num aspecto universal, a beleza! Acho fantástico, seja ela como for, barroca, clássica, maneirista, romantica ou qualquer outra, ter«a sempre sempre um toque de beleza. Será sempre encantamento para os sentidos.
Qunado oiço a música, ela - a bela - fico extasiado! A tristeza que normalmente sinto, desvance-se, toma uma união brutal de alegria, uma sensação tão forte que é inexplicável, que apenas experienciando se pode sentir. Aquela aspereza que sinto voa, todo o meu ser se une, não há duelos. É como que se o meu ser se derretesse num movimento extraordinariamnete sensual, como manteiga que derrete. Assim, se derrete a minha alma por sentir a presença da bela-arte, a... A... A Maravilhosa Música! Cumulo da beleza, produção do pensamneto, produção do homem que procura a beleza, a pureza... O Homem que a procura - perdoem-me a repetição - MÚSICA!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Interior da Sé de Braga

Um organista de Óculos de Sol!! :D - Wedge fugue in E minor - Bach

TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho genios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei que moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos

PESSOA merecerá sempre destaque!!

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
que se chama o coração.

Fernando Pessoa





Deus

Às vezes sou o Deus que trago em mim
E então eu sou o Deus e o crente e a prece
E a imagem de marfim
Em que esse deus se esquece.

Às vezes não sou mais do que um ateu
Desse deus meu que eu sou quando me exalto.
Olho em mim todo um céu
E é um mero oco céu alto.

Fernando Pessoa

BWV 846 - Prelúdio - Michael Chapdelaine

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Um momento musical bastante cómico! Ou p'lo menos parece!

The Begining












Parece-me primordial começar este blogue com coisas fantásticas, coisas que possibilitem a consciencialização de que não é apenas o homem que manda no mundo. Parece-me que o homem é iluminado por uma força que o torna criador de coisas belas ...(deixo ao vosso critério). Então, mostrar-vos-ia um monumento que me cativou: a Abadia do Mont Saint-Michel, em França!